domingo, 26 de julho de 2015

Espelho, espelho meu, há alguém nesse mundo como eu?*

Porque representatividade importa.

Desde que eu nasci e desde que eu me lembre, enquanto eu crescia, eu olhava para o espelho e me perguntava porque eu não era como os outros. Porque dentre todos, eu tinha que lidar com algo tão diferente? Vejam, eu sou branca, mas não como qualquer outra pessoa, eis que mais de cinquenta por cento do meu corpo tem manchas vermelhas. Vamos dar um nome bonito para eles: hemangioma.

Não me recordo ao crescer de outros como eu, em lugar nenhum. As vezes eu fantasiava sobre ser atriz, mas como eu poderia sê-lo se não havia ninguém como eu? Nenhuma atriz, ou mesmo ator, parecia possuir algum defeito físico que fosse. Eram todos perfeitos. As criança na televisão então, padrão europeu, se eu me sentia invisível, era acompanhada muito provavelmente por meu colegas negros e de outras raças e etnias, sem contar os que tivessem qualquer outra condição que lhes faziam estar fora do considerado padrão ou normalidade.
Com o tempo você aprende a conviver, mas o mundo não esquece que você não é igual a ele. Muitas vezes fui parada na rua para me perguntarem se era: problema de pele, é queimadura, se eu já tinha usado babosa, até para se era contagioso ao contato direto. Claro, vou na manicure para fazer a unha e aproveitar e passar uma doença de pele sem compromisso. Campeão, só que não, né?
Durante minha adolescência não me lembro de ter contato com nada, nem ninguém, que me fosse particularmente parecido comigo. Só depois de adulta e que encontrei pessoas na rua com manchas parecidas com as que eu tinha na pele. Parecidas porque nunca via ninguém com a mesma extensão de mancha que eu. Claro que com a internet encontrei casos parecidos com o meu, em sites médicos e situações até mais extremas.
Mas digo algo para você que acha que o politicamente correto não funciona, é chato, é patrulhinha e a gente não pode ser mais feliz; saiba que é através dele que pessoas como eu, ou pessoas negras, ou outras minorias, encontram seu espaço na mídia através da representatividade.
Pela primeira vez eu vi um portal da internet retransmitir notícia sobre crianças com mancha vinho do porto, ou um rapaz com mancha vinho do porto que resolveu contornar com canetinha. Ainda não é perfeito, porque não vi exemplo nenhum no Brasil, de alguém que eu pudesse dizer “poxa, legal, li sua matéria, sei bem do que você falou lá” ou algo parecido.
E sim, eu deixei críticas a este portal por não procurar algum brasileiro para falar disso. Nem digo por mim, mas acho que tem muita gente aí com histórias de superação maiores que a minha.
No entanto, a diferença que teria feito na minha vida uma boneca para brincar, que mesmo loira, tivesse um hemangioma como eu. Toda a possível, porque eu saberia que eu existo no mundo e que eu posso ser quem eu quiser ser. Inclusive um modelo bom para uma criança.

* Texto originalmente escrito para a página do Facebook Eta mídia machista e publicado por ela em 15 de junho de 2015.

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