Desde que
eu nasci e desde que eu me lembre, enquanto eu crescia, eu olhava
para o espelho e me perguntava porque eu não era como os outros.
Porque dentre todos, eu tinha que lidar com algo tão diferente?
Vejam, eu sou branca, mas não como qualquer outra pessoa, eis que
mais de cinquenta por cento do meu corpo tem manchas vermelhas. Vamos
dar um nome bonito para eles: hemangioma.
Não me
recordo ao crescer de outros como eu, em lugar nenhum. As vezes eu
fantasiava sobre ser atriz, mas como eu poderia sê-lo se não havia
ninguém como eu? Nenhuma atriz, ou mesmo ator, parecia possuir algum
defeito físico que fosse. Eram todos perfeitos. As criança na
televisão então, padrão europeu, se eu me sentia invisível, era
acompanhada muito provavelmente por meu colegas negros e de outras
raças e etnias, sem contar os que tivessem qualquer outra condição
que lhes faziam estar fora do considerado padrão ou normalidade.
Com o
tempo você aprende a conviver, mas o mundo não esquece que você
não é igual a ele. Muitas vezes fui parada na rua para me
perguntarem se era: problema de pele, é queimadura, se eu já tinha
usado babosa, até para se era contagioso ao contato direto. Claro,
vou na manicure para fazer a unha e aproveitar e passar uma doença
de pele sem compromisso. Campeão, só que não, né?
Durante
minha adolescência não me lembro de ter contato com nada, nem
ninguém, que me fosse particularmente parecido comigo. Só depois de
adulta e que encontrei pessoas na rua com manchas parecidas com as
que eu tinha na pele. Parecidas porque nunca via ninguém com a mesma
extensão de mancha que eu. Claro que com a internet encontrei casos
parecidos com o meu, em sites médicos e situações até mais
extremas.
Mas digo
algo para você que acha que o politicamente correto não funciona, é
chato, é patrulhinha e a gente não pode ser mais feliz; saiba que é
através dele que pessoas como eu, ou pessoas negras, ou outras
minorias, encontram seu espaço na mídia através da
representatividade.
Pela
primeira vez eu vi um portal da internet retransmitir notícia sobre
crianças com mancha vinho do porto, ou um rapaz com mancha vinho do
porto que resolveu contornar com canetinha. Ainda não é perfeito,
porque não vi exemplo nenhum no Brasil, de alguém que eu pudesse
dizer “poxa, legal, li sua matéria, sei bem do que você falou lá”
ou algo parecido.
E sim, eu
deixei críticas a este portal por não procurar algum brasileiro
para falar disso. Nem digo por mim, mas acho que tem muita gente aí
com histórias de superação maiores que a minha.
No
entanto, a diferença que teria feito na minha vida uma boneca para
brincar, que mesmo loira, tivesse um hemangioma como eu. Toda a
possível, porque eu saberia que eu existo no mundo e que eu posso
ser quem eu quiser ser. Inclusive um modelo bom para uma criança.* Texto originalmente escrito para a página do Facebook Eta mídia machista e publicado por ela em 15 de junho de 2015.
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